terça-feira, 4 de agosto de 2009

Immanuel Kant

Por Samir Gorsky


Introdução

Vida e obra

Kant nasceu em Königsberg no dia 22 de abril de 1724 e viveu em tempos de profundas mudanças, principalmente as do pensamento, mesmo sem nunca ter saído desta cidade ele ensinou geografia, matéria que o influenciou bastante no seu método relacionado a análise do conhecimento, pois da mesma forma, tanto na sua teoria do conhecimento quanto na geografia são utilizados mapas, no caso da teoria do conhecimento o mapeamento se refere a mente, assim fazendo um pequeno trocadilho pode-se usar-se do neologismo para se referir a isto como sendo um mapeamente. Foi uma pessoa contida e se diz que era tão pontual que os cidadãos de Königsberg acertavam os seus relógios pelo hábito que este filósofo possuía de caminhar sempre no mesmo horário. Kant ainda lecionou matemática e seu conhecimento no que se refere a essa matéria é refletido em algumas passagens que estão no início de uma pequena obra sua (Da utilidades de uma nova metafísica). Ensinou inicialmente como livre docente e em sua tese para conseguir uma cadeira na Universidade de Königsberg já haviam várias direções em relação ao seu pensamento filosófico que mais tarde traria a tona uma nova perspectiva ao pensamento ocidental. Suas referências principais foram Rousseau e Hume, segundo ele mesmo deixou transparecer. Hume o “ajudou” a acordar do “sono” dogmático, e Rousseau principalmente na sua política e nas reflexões sobre a liberdade e a moral. Kant foi responsável por “um cérebro que passou a vida investigando o universo espiritual do homem, à procura de seus fundamentos últimos, necessários e universais.”(Marilena Chauí).

A obra central do pensamento kantiano é a crítica, que aparece em três momentos diferentes, ou seja, esta analisa três assuntos em três obras (segundo Kant, os assuntos são fundados nos conceitos a priori) que dizem respeito às questões que tem como palco a alma Humana.

A primeira dessas questões é sobre o conhecimento e a crítica é a forma de “julgamento” deste, pois não poderíamos fugir de certas questões que a própria razão não da conta das respostas. Assim a primeira questão é também sobre uma certa limitação das pretensões especulativas pela metafísica. Este será o assunto deste trabalho que terá como objetivo demonstrar os fundamentos do qual se pode conceber, em Kant, uma crítica da razão pura. A segunda crítica tem como tema central, a moral e a liberdade (e como já tinha sido dado pela primeira crítica, quando Kant coloca a seguinte orientação ou processo pelo qual pretendeu situar as suas críticas: “portanto tive que afastar (aufheben) o saber para obter lugar para crença, e o dogmatismo da metafísica, isto é, o preconceito de progredir nela sem crítica da razão pura, é a verdadeira fonte de toda a sempre muito dogmática incredulidade antagonizando a moralidade” (Crítica da razão pura, prefácio). A crítica da razão prática tem por objeto a conduta humana, então, Kant se utiliza de um “imperativo categórico” que é uma espécie conceito sintético a priori, é o imperativo categórico que nos fornece o sentimento de dever e é somente em obediência a ele que poderemos chegar à liberdade, ele também pode nos remeter à idéia de Deus, porém não na forma de um conhecimento especulativo mas apenas como originador desta espécie de “ordem”. A terceira crítica, por fim tratará de um juízo a priori que para Kant não está dentro da questão nem do conhecimento especulativo, nem da moral, trata-se portanto do prazer e do desprazer.

Em resumo as obras de Immanuel Kant publicadas desde 1746 até 1798 e que possuem um relativo destaque podem ser listadas da seguinte maneira: História geral da natureza e teoria do céu (1755), O único argumento possível para uma demonstração da existência de Deus (1763), Sonhos de um visionário, interpretado mediante os sonhos da metafísica (1766), Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e do mundo inteligível (1770), Prlegômenos a qualquer metafísica futura que possa ser considerada como ciência (1783), Fundamentação da metafísica dos costumes (1785). Porém suas três obras que mais chamam atenção são: Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788), Crítica da faculdade de julgar (1790).

O ambiente filosófico e Kantiano.

Na época de Kant havia uma disputa filosófica que encerravam basicamente duas vertentes do pensamento moderno, os empiristas e os racionalistas, o empirismo ocorreu predominantemente na Inglaterra e teve Bacon como fundador, enquanto que o racionalismo tinha como lugar comum a França, e Descartes como pioneiro (todavia, tanto um como outro se espalhara por toda a Europa). Os expoentes mais contemporâneos à Kant e que mais o influenciou foram Lokce e Hume por parte dos empiristas, Leibiniz e Wolff, estes racionalistas, os primeiros tinham como fundamento de sua filosofia a experiência e as sensações enquanto os últimos se ocupavam mais das idéias que poderiam ser claras e distintas.

A crítica da razão pura

O projeto principal desta obra é a fazer da metafísica uma ciência, colocando-a diante de um tribunal que é a crítica e de um juiz, que é a razão. A abordagem kantiana, tida como uma novidade (no sentido metodológico) será uma das pilastras a serem validadas em sua “filosofia transcendental”, e a pretensão é causar uma revolução análoga à que Copérnico engendrou na astronomia.

O projeto kantiano em si fracassou, porém ele conseguiu causar a revolução análoga a de Copérnico, Kant então se tornou um marco na história da filosofia, e sua importância não remete apenas a sua teoria do conhecimento mas também a “filosofia prática” (moral) e política.

A pergunta que guia esta obra esta relacionada intimamente com os processos cogniscitivos do conhecimento. Ela está formulada da seguinte maneira: “O que posso conhecer?”. Talvez também seja lícito formular uma outra: “Como posso conhecer?”. Portanto, tanto o objeto a se conhecer, quanto a maneira de se conhecer será questionado, ou melhor, “julgado” no tribunal da crítica. O sentido da palavra pura reflete a ausência dos pressupostos a posteriores, pois a metafísica atua como limitadora do conhecimento e a preocupação primeira, como podemos ver na questão acima não é o conhecimento em si e sim as possibilidades deste. Percebe-se então que Kant está pensando o transcendental e busca para isso o conjunto das categorias e estruturas a priores que ele acredita ser o caminho para se chegar às respostas das perguntas anteriores.

Mas porque não os dados empíricos?
Primeiramente é cabal que a necessidade e a universalidade sejam suficientemente quitadas para que o conhecimento tenha algum valor ontológico, por outro lado há uma negação de que o dogmatismo deva prosseguir e também porque “na medida em que deve haver razão nas ciências, algo tem de ser conhecido nelas a priori, e o conhecimento da razão pode ser referido de dois modos a seu objeto: ou meramente para determinar este e seu conceito (que precisa ser dado alhures) ou também para torna-lo real . O primeiro é o conhecimento teórico, o outro o conhecimento prático da razão. Não importa quão grande ou pequeno seja o seu conteúdo, a parte pura de ambos, ou seja, aquelas em que a razão determina o seu objeto de modo completamente a priori, tem de ser exposta antes sozinha, e aquela que provém de outras fontes não tem que ser mesclada com ela...” (Crítica da razão pura, prefácio).

Na introdução, logo na primeira frase está claro que o conhecimento começa com a experiência e nenhum conhecimento a precede, a faculdade do conhecimento, então, é despertada pelas impressões dos objetos, a dúvida que aqui fica latente é: se a primeira impressão nos dá a representação do objeto em si. A resposta é negativa pois logo em seguida vem a explicação, que diz ser o conhecimento não totalmente originado da experiência, ou seja, ele (o conhecimento) começa a partir, e não da, experiência. Dessa afirmação consta que há uma estrutura a priori que será descrita em grande parte nesta crítica.

Após dividir os juízos em a priori e a posteriori, Kant se ocupará de descreve-los como, ou sintéticos, ou analíticos. Sendo que sintéticos serão aqueles no qual o predicado não se originará da definição do sujeito, já nos juízos analíticos o predicado já estará na definição do sujeito, no primeiro há uma necessidade de conexão entre o predicado e o sujeito pois de outro modo não se poderia liga-los conceitualmente. “ Com efeito, por meio do predicado aqueles (analíticos) nada acrescentam ao conceito do sujeito, mas somente o dividem por desmembramento em seus conceitos parciais que já eram (embora confusamente) pensados nele, enquanto os últimos (os sintéticos) ao contrário acrescentam ao conceito do sujeito um predicado que de modo algum era pensado nele nem poderia ter sido extraído dele por desmembramento algum”. (Crítica da razão pura, introdução)

É essa a divisão que fundamentará, não só a primeira crítica mas toda a metafísica kantiana, nela os juízos não serão apenas tratados como ou analíticos, ou sintéticos porém a priori e a posteriori juntamente com eles, ou seja, juízos analíticos a priori etc. Os juízos de experiência são todos considerados sintéticos ao passo que nos (juízos) a prioris podem ser tanto sintéticos quanto analíticos. A partir dessa nomenclatura dos juízos Kant irá pensar a sua estética transcendental na primeira parte da crítica.

A primeira parte da obra em questão chama-se “doutrina transcedental dos elementos” (estética transcendental). O transcendental para Kant é “o conhecimento que se ocupa não tanto de objetos , quanto dos nossos conceitos a priori de objetos” ( idem, p.10, segundo Will Durant em “A história da filosofia” p.257), assim o que é chamado de transcendental são os “nossos modos de correlacionar nossa experiência com o conhecimento (Will Durant, idem)”. Primeiramente aplicamos as formas de percepção (tempo e espaço) às sensações, organizando-as a partir daquelas; depois ocorre a coordenação, através das categorias (formas de concepção), das percepções. A capacidade de receber representações graças à maneira pela qual somo afetados é sensibilidade, a representação que depende de maneira imediata da presença do objeto chama-se intuição (talvez aqui o que está como “intuição” era o que, tendo Will Durant como referência, eu tinha colocado anteriormente como “percepção”) e “o efeito de um objeto sobre a capacidade de representação, na medida em que somos afetados pelo mesmo, é sensação”(Crítica da razão pura, primeira parte). A pergunta aqui então, seria: Como podemos, pelas sensações, construir (obter) intuições? A resposta que é: pela possibilidade dos juízos sintéticos a priori nos remete inevitavelmente a uma outra pergunta, que é a questão chave da filosofia kantiana: Como são possíveis os conceitos sintéticos a priori? -“a saber, intuições puras a priori, espaço e tempo, nos quais, se no juízo a priori quisermos sair do conceito dado, encontramos aquilo que pode ser descoberto a priori não no conceito, mas na intuição que lhe corresponde, a ser ligado sinteticamente àquele. Por esta razão, esses juízos jamais alcançam além de objetos de uma experiência possível.” (Crítica da razão pura, Conclusão da estética transcendental).

Dai surge também uma dúvida: de onde vem a certeza kantiana de que os juízos sintéticos a priori nas matemáticas (e outras afins) são realmente a priori? Essa pergunta pode se esclarecer se observarmos que há uma possibilidade especial de abstração desses conceitos ou seja, quando se pensa um triângulo, pensamos consequentemente suas relações, porém como percebemos sinteticamente? Talvez a questão fique resolvida se tivermos em mente que; sendo o espaço uma forma da sensação que há subjetivamente, e a geometria uma parte da matemática que se utiliza de conceitos prioritariamente espaciais (e as vezes unicamente) haverá uma enorme gama de possibilidades nesse sentido. Todavia Kant sofreu diversos ataques referentes a essa questão e um deles veio de um de seus contestadores cujo o nome é Eberhardt. Kant então tentou responder à “Revista filosófica” de Eberhardt com uma pequena obra chamada “Da utilidade de uma nova crítica da razão pura”. Aquele defende a possibilidade do conhecimento especulativo no sentido metafísico a que Kant não aceita de nenhuma maneira, o que pode ser reconhecido na passagem:

“O senhor Eberhardt queria demonstrar que se pode perfeitamente ampliar o conhecimento e enriquece-lo com novas verdades sem inquirir que se estamos lidando eventualmente com conceitos vazios, aos quais não haja objetos correspondentes (Afirmativa repugnante ao entendimento humano em estado de sanidade).” (Da utilidade de uma nova crítica da razão pura, Primeira parte).

Voltemos então à questão anterior para aborda-la de uma maneira mais completa aos olhos da crítica.

Segundo Kant, Hume não admitiria a possibilidade desses juízos sintéticos a priori, porém (para Kant) eles seriam pensados na matemática pura. Daí as perguntas: “Como é possível a matemática pura? Como é possível a ciência pura da natureza?”

A possibilidade delas não seria problema pois são realmente “dadas”, mas Kant ainda pensa na objeção a esta ultima e por isso, na nota de roda pé coloca: “Alguns ainda poderiam duvidar desta ultima (da realidade dessas ciências puras) coisa relativa à ciência pura da natureza. Todavia, basta ver as diversas proposições que ocorrem no começo da física propriamente dita (empírica) – como a da permanência da mesma quantidade de matéria, a da inércia, a da igualdade de ação reação etc. – para logo se convencer de que perfazem uma physicam puram (ou racional) que, como ciência especial, bem merece ser erigida separadamente em toda a sua extensão, seja esta restrita ou vasta.” (Crítica da razão pura, introdução) ao passo que a metafísica não poderia ser vista até aqui (até esta crítica) da mesma forma, entretanto, o homem evolui até perguntas que são impostas à razão, e esta não obstante não pode responde-las, a pergunta então que se colocaria neste caso é: “Como é possível a metafísica natural? ou seja, como surgem da natureza da razão humana universal as perguntas que a razão pura levanta para si mesma e que é impelida a responder, tão bem quanto pode, por sua própria necessidade?”(idem)

São essas as perguntas que juntamente com Hume levaram Kant a escrever esta obra pois ela (a crítica) seria o fundamento de uma ciência que às responderiam.

Conclusão

O trabalho não pretendia ser um documento suficiente e nem mesmo introdutório mas sim, apenas uma pequena citação sobre Immanuel Kant. Visto que o objetivo proposto na introdução era o de localizar os fundamentos da Crítica da razão pura, não poderia assim estar completo neste sentido, entretanto foi possível analisar esses fundamentos no sentido mais geral e citar as perguntas que perfizeram essa obra como um monumento filosófico capaz de delinear todo um século de pensamento. Kant talvez não tenha fracassado então, sua expectativa de revolucionar a metafísica assim como aconteceu na física após Copernico foi concluída, as saídas porém com vista já na modernidade não foram tocadas e o modelo sujeito/objeto permaneceu, Kant não percebeu porém que sua obra era mais desconstrutora (dava mais alternativas à descontruir a tradição) do que positiva (no sentido de dar origem a uma ciência metafísica) por isso sua obra continuou como símbolo da modernidade e do iluminismo de sua época, o que pode ser retratado nesta passagem de Humberto Eco: “Naturalmente, condição indispensável para uma ética intelectual iluminista é de estarmos dispostos a nos submetermos à crítica, não somente a cada crença, mas, inclusive ao que as ciências nos oferecem como verdades absolutas.”

Bibliografia

Châtelet, F.: A História da Filosofia (volume 5), Paris, 1973.

Durant, Will: A história da filosofia, Trad.: Luiz Carlos do Nascimento Silva; Coleção: Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 2000.

Pe. Edmundo H. Dreher, S. J.: A impossibilidade da metafísica na crítica da razão pura, Coritiba, 1959.

Kant, I.: Crítica da Razão Pura, Königsberg, 1787. Tradução da coleção: Os Pensadores, Ed. Nova cultural, São Paulo, 1999.

Kant, I.: Da utilidade de uma nova crítica da razão pura (resposta à Eberhardt), Trad. Introdução e notas: Márcio Pugliesi & Edson Bini. São Paulo, Hemus, 1975.

Zingano, M. A.: Razão e História em Kant, São Paulo, 1988.

1 comentários:

DRAG & DROP disse...

obrigado o/

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